sábado, 25 de julho de 2009

Histórias de cadafazenses no tempo do volfrâmio

Ao ler o livro Góis, tempo de Volfrâmio, entre Memória e História, encontrei 3 histórias sobre cadafazenses, que foram escritas pelo Sr. Tenente-coronel Américo Alves Martins.
A primeira história que vou transcrever hoje começa por falar sobre a minha Tia Teresa, que era tia da minha avó materna e que a criou, porque quando a minha bisavó morreu, a minha avó tinha poucos anos de vida. Era também tia do primo Américo (como sempre o chamamos na minha família) visto a minha avó ser prima direita do Ti Zé Tereso, pai dele.
Nos próximos dois fins-de-semana colocarei as outras histórias.


Acto 11
(três pequenas histórias)
A peça termina com a leitura de três trechos, escritos* por um grande amigo nosso, da galeria dos cronistas do nosso concelho, onde se incluem Augusto Nogueira (Gustavo), Armando Gualter Nogueira (O Velho Goeinse,) Aristides Lopes, Lopes Machado. Com uma escrita fluida e agradável, respeitado por todos, nunca querendo pôr-se em bicos dos pés, não abordando temas que não conhecesse ou não estudasse, soube tratar com elegância os problemas da nossa terra. Em jovem, também ele andou pelo minério, lá para os lados da sua aldeia.
Sua graça, Tenente-coronel Américo Alves Martins.

* Publicados no Jornal de Arganil, de 9 e 16 de Maio de 1985, na série “O Concelho de Góis e o seu sub-solo. Que futuro?”

A GNR e os comunistas à solta

Era Domingo e a minha tia Maria Teresa chegava ao Cadafaz, vinda de Góis, onde fora, como era rosário da sua vida penosa, buscar a bacia das sardinhas para vender à sua fraca e pobre freguesia. Mas trazia, alvoraçada, a notícia.
- Na Ponte Cabreira, anda lá muita gente no rio. Dizem que aparecem lá muitas pedras de volfrâmio e de ouro.
Era, na verdade, notícia, em primeira mão, no Cadafaz. Como consequência, lá fui eu mais ela, de repente, a caminho da Ponte – Cabreira. Um sacho e uma bacia, era o material “necessário”. O sacho para escavar os fundos e encher de areia, lama, cascalho e pedras, a bacia. Esta para a lavagem e apuramento do minério.
Realmente, ali chegados, deparou-se-nos espectáculo grandioso. O leite do rio, desde o açude até ao poço que fica por debaixo da ponte, era um enxame de gente.
Avançámos, um pouco temerosos. Éramos os primeiros “invasores” idos de Cadafaz. Mas a entrada foi triunfal. A minha tia, já um pouco pesada e pouco segura, em pleno rio, desequilibra-se e estende-se ao comprido para dentro das águas. Gargalhadas estrondosas atroaram pela penedia da encosta.
Depois, tudo passou e o remexer do leito do rio, em exploração afincada e constante, iria prolongar-se pelo tempo além.
Intitulava-se dono do registo (alvará?) daquela área (não sou eu que ponho em dúvida a legalidade dessa posição, mas o facto é que paira ainda hoje uma certa incerteza por parte de algumas pessoas), um grupo de senhores que o respeito pela sua memória me inibe de citar. Para que não houvesse fuga de minério para a candonga, que era forte e constante, foi por eles foi contratada a presença da G.N.R., que ali permanecia em diligência. O “escritório” dessa empresa exploradora foi montado no lagar que ali existe. É chamado o Lagar do Povo, pertence à Igreja e ainda hoje funciona bem (não é Zé da Rita?).
Hoje poder-se-ia perguntar, à distância de tanto tempo, quem autorizou e que proventos se retiraram da “ocupação” do lagar para serventia daquela sociedade mineira? Mas a grande verdade é que o leito do rio fornecia volfrâmio em grandes quantidades e ouro (a olho nu) em quantidades menores.
Ora, em certo dia, apareceu uma pedra com elevado peso de ouro. Maciça, bonita. Um tesouro. Esta descoberta deu origem a um facto que “feriu” e “marcou” algumas pessoas, felizmente ainda hoje delas poderão reviver a triste recordação do evento. Relembremo-lo: os senhores ditos donos do registo exigiam que essa pedra lhes fosse prontamente entregue. A tal pretensão reagiu o grupo achador que se sentiu no direito de a negociar como devia ser e colher assim os dividendos do valor excepcional daquela pedra.
Os ânimos aqueceram. Toda aquela multidão se mostrou activa.
Esta situação foi um embrião para acontecimentos graves, que, dias depois, atingiram o seu apogeu. Isto porque toda aquela gente se foi convencendo de que a “sociedade”, que se dizia senhora do leite do rio, não teria base legal não só para se tornar credível, como ainda, e principalmente, para impor exigências julgadas excessivas e injustificáveis.
Com consequência, ressurgiu a decisão de não se lhe entregar (ou vender) mais minério. Criou-se, desta forma, um contencioso gravíssimo, para cuja solução aquela “sociedade” recorreu ao poder das armas, consubstanciado numa numerosa força da G.N.R., chamada de urgência, sob o comando de um oficial, que ali apareceu em aparato bélico, que logo aterrorizou toda a gente.
As forças foram dispostas nos pontos estratégicos da zona circundante e cortados todos os caminhos e entradas que dali irradiavam. Foi dada ordem de prisão aos que foram logo ali considerados como cabecilhas, do que também foi considerado uma rebelião, os quais, logo apodados de comunistas, prontamente foram levados para a Cabreira e daqui para Góis, sendo escoltados pelas espingardas da G.N.R.
Em Góis, estes “comunistas” foram sujeitos às mais terríveis pressões e a atmosfera que reinava era verdadeiramente escaldante.
Ao fim de algumas horas angustiantes, chegou de Lisboa, pela voz de Guilherme de Almeida, funcionário da então Assembleia Nacional e da Presidência do Conselho, a directiva a tomar. Esta foi devidamente dialogada com o presidente da Câmara Municipal de Góis, Engº Álvaro Dias Nogueira, acabando por ser encontrado o maior e melhor consenso. Só depois eles conseguiram regressar às suas casas, onde a família inteira e a população em geral os aguardava com ansiedade e recebeu com todo o carinho.

- Nogueira Ramos, João, «O palco da vida, Acto 11 (três pequenas histórias)» in Góis, tempo de volfrâmio, Entre Memória e História, 1ª edição – Junho de 2007, pp 124-126.

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Paula Santa Cruz