domingo, 9 de agosto de 2009

As botas do meu compadre

Esta é a terceira e última história de cadafazenses no tempo do volfrâmio, que foi escrita pelo Sr. Tenente-coronel Américo Alves Martins.

José de Almeida, também do Cadafaz, era naquele tempo um homem ágil, possante, e hoje felizmente ainda o vai sendo, mas marcado pela idade, que já vai pesando. É meu compadre (aí vai um grande abraço).
Um dia, depois de mudar de roupa, pois ali no rio uma pessoa encharcava-se até aos ossos, iniciou o seu regresso à aldeia. Atravessou a Ponte – Cabreira; e, quando já tinha passado a Fonte de Boiça, ouviu uma patrulha da G.N.R. a gritar-lhe de cá de baixo:
- Oh amigo, pare aí! Pare aí, ouviu? Pare!...
O meu compadre sabia que a distância que os separava era grande, pois a estrada serpenteia por ali acima muito acentuadamente, pelo que resolveu apressar o passo, quanto lhe era permitido. Não podia ir muito longe porque levava as botas cheias de volfrâmio. Tal facto, revelador da soberana dificuldade em andar, fora quem denunciara aos olhos perscrutadores dos guardas. E estes continuavam a bradar, altissonantes:
- Ou para ou vai fogo! Olhe que vai fogo…
Mas qual quê. Amigo José de Almeida passa a curva junto às Alminhas; e, quando chega ao souto dos castanheiros, despeja num repente as botas para a toca dum deles e veio sentar-se, o mais calmo que lhe era possível, na berma da estrada. Só uns instantes depois, é que chega, arfante, a patrulha da G.N.R.
- Não ouviu a gente gritar-lhe para fazer alto? Não fez alto porquê?
- Eu cá não ouvi!
- Tem de ir à revista lá abaixo ao Lagar.
-Mas eu não levo cá nada…
- Isso é que se verá daqui a pouco. Toca a andar.
E lá foi o meu compadre, emparedado entre os dois guardas, até ao Lagar, perante o olhar atento de toda aquela gente que formigava no leito do rio.
Como é óbvio, nada foi encontrado. Mesmo assim, atendendo à desobediência à autoridade, ficou despedido.
Mas, pela calada da noite, silenciosamente, lá foi ele à toca do castanheiro, buscar o volfrâmio, que a candonga bem recompensava…

- Nogueira Ramos, João, «O palco da vida, Acto 11 (três pequenas histórias)» in Góis, tempo de volfrâmio, Entre Memória e História, 1ª edição – Junho de 2007, pp 127.

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Paula Santa Cruz