Inicio hoje, uma nova rubrica que é Recordar o passado, são
artigos retirados na maior parte do jornal A Comarca de Arganil, que falam
sobre a aldeia do Cadafaz ou a freguesia e que nos dá a conhecer ou relembrar a
sua história.
O texto que transcrevo foi escrito por um cadafazense, que foi
visitar a sua terra natal, no ano de 1902 e relatou como encontrou o Cadafaz
após uns tempos sem lá ir.
CADAFAZ
Como é bonito visitarmos a terra onde pela primeira vez vimos a luz do dia, onde pronunciámos as primeiras palavras! A impressão que se sente ao entrarmos na nossa terra natal, depois de dela estarmos ausentes por algum tempo, só a pode avaliar bem quem a tiver experimentado. Todas as nossas travessuras do tempo de criança nos veem á memória com um aspeto tão risonho e suave, que por alguns instantes jugamos ser sonho aquele nosso sentimento. Na verdade, não é menos do que sonho; porque, depois de passarmos a mão pela fronte como que para despertar, vemos quão deliciosos eram os dias que naquele tempo passávamos e quão espinhosos são os que atualmente atravessamos. Como esta vida e efémera! Que contraste entre os dias de então, os dias de hoje.
Quando criança!
. . . Que frase tão linda, que recordação tão saudosa.
Foram
estas as primeiras impressões que senti há dias ao visitar a minha querida
terra, o meu bom Cadafaz. Há tempo que lá não tinha ido e num curto espaço de
tempo, relativamente, notei uma série de transformações: pelo que vejo os meus simpáticos
conterrâneos, também vão na corrente da evolução atual. Vi lá diversos prédios
feitos de novo e outros reedificados.
Uma freguesia
pequenina com é, tem dinheiro para todas as despesas concernentes a negócios de
religião. Lá têm muito bem caiada e concertada a igreja matriz.
Passei próximo
do cemitério e gostei de ver o estado de conservação deste lugar que na minha
humilde opinião merece o respeito de todos. Neste, ao menos, não há perigos dos
cães ou outros animais irem profanar as cinzas dos que nos foram caros como
acontece em outras freguesias muito maiores e de mais rendimento do que a do
meu Cadafaz.
A esforços
de dois cavalheiros cujo caracter está bem definido, lá têm um magnífico relógio,
cuja aquisição se tornava indispensável. Estes indivíduos deviam gerir sempre
os negócios da comissão administradora dos lagares, porque ao menos via-se em
que se empregava o rendimento dos mesmos e que não é tao pouco como muita gente
imagina. De contrário parece que não se vê nada.
Passeando
um pouco pela minha saudosa terra reparava naquelas ruas onde eu costumava
brincar tão descansado dos cuidados que hoje me atribulam a existência. Que
vida! Comer, brincar, levar duas bofetadas de vez em quando, chorar, passado um
instante rir, e já novamente pronto para a brincadeira.
Mas no meio desta agradável sensação, notificam-nos alguns casos que
infundem tristeza. Perguntamos por F ... e
F..., e respondem-nos: Esse já morreu! Ficamos então a pensar na dura
sorte que nos espera e sentimos mágoa por vermos o nosso destino sobre a terra.
Quando pequeninos, tudo rosas; aos 6 ou 7 anos, escola e puxões de orelhas;
quando homens, privações de toda a ordem, até que a foice devastadora venha com
a sua força tirânica arrastar mais um mártir à pátria dos justos.
-Não podendo demorar-me tanto quanto desejava ao pé de aqueles que me
deram o ser e dos meus bons companheiros doutro tempo, tive de me retirar,
trazendo no coração bem gravada a mais saudosa recordação dos poucos instantes
que lá estive, e agora nesta masmorra, só me resta a saudade e a esperança de lá
voltar novamente.
S. F.
in A Comarca de Arganil de 18 de
dezembro de 1902