sábado, 28 de abril de 2012

Recordar o passado: Cadafaz em 1902

Inicio hoje, uma nova rubrica que é Recordar o passado, são artigos retirados na maior parte do jornal A Comarca de Arganil, que falam sobre a aldeia do Cadafaz ou a freguesia e que nos dá a conhecer ou relembrar a sua história.
O texto que transcrevo foi escrito por um cadafazense, que foi visitar a sua terra natal, no ano de 1902 e relatou como encontrou o Cadafaz após uns tempos sem lá ir.



CADAFAZ

Como é bonito visitarmos a terra onde pela primeira vez vimos a luz do dia, onde pronunciámos as primeiras palavras! A impressão que se sente ao entrarmos na nossa terra natal, depois de dela estarmos ausentes por algum tempo, só a pode avaliar bem quem a tiver experimentado. Todas as nossas travessuras do tempo de criança nos veem á memória com um aspeto tão risonho e suave, que por alguns instantes jugamos ser sonho aquele nosso sentimento. Na verdade, não é menos do que sonho; porque, depois de passarmos a mão pela fronte como que para despertar, vemos quão deliciosos eram os dias que naquele tempo passávamos e quão espinhosos são os que atualmente atravessamos. Como esta vida e efémera! Que contraste entre os dias de então, os dias de hoje.
Quando criança! . . . Que frase tão linda, que recordação tão saudosa.
Foram estas as primeiras impressões que senti há dias ao visitar a minha querida terra, o meu bom Cadafaz. Há tempo que lá não tinha ido e num curto espaço de tempo, relativamente, notei uma série de transformações: pelo que vejo os meus simpáticos conterrâneos, também vão na corrente da evolução atual. Vi lá diversos prédios feitos de novo e outros reedificados.
Uma freguesia pequenina com é, tem dinheiro para todas as despesas concernentes a negócios de religião. Lá têm muito bem caiada e concertada a igreja matriz.
Passei próximo do cemitério e gostei de ver o estado de conservação deste lugar que na minha humilde opinião merece o respeito de todos. Neste, ao menos, não há perigos dos cães ou outros animais irem profanar as cinzas dos que nos foram caros como acontece em outras freguesias muito maiores e de mais rendimento do que a do meu Cadafaz.
A esforços de dois cavalheiros cujo caracter está bem definido, lá têm um magnífico relógio, cuja aquisição se tornava indispensável. Estes indivíduos deviam gerir sempre os negócios da comissão administradora dos lagares, porque ao menos via-se em que se empregava o rendimento dos mesmos e que não é tao pouco como muita gente imagina. De contrário parece que não se vê nada.
Passeando um pouco pela minha saudosa terra reparava naquelas ruas onde eu costumava brincar tão descansado dos cuidados que hoje me atribulam a existência. Que vida! Comer, brincar, levar duas bofetadas de vez em quando, chorar, passado um instante rir, e já novamente pronto para a brincadeira.
Mas no meio desta agradável sensação, notificam-nos alguns casos que infundem tristeza. Perguntamos por F ... e  F..., e respondem-nos: Esse já morreu! Ficamos então a pensar na dura sorte que nos espera e sentimos mágoa por vermos o nosso destino sobre a terra.
Quando pequeninos, tudo rosas; aos 6 ou 7 anos, escola e puxões de orelhas; quando homens, privações de toda a ordem, até que a foice devastadora venha com a sua força tirânica arrastar mais um mártir à pátria dos justos.
-Não podendo demorar-me tanto quanto desejava ao pé de aqueles que me deram o ser e dos meus bons companheiros doutro tempo, tive de me retirar, trazendo no coração bem gravada a mais saudosa recordação dos poucos instantes que lá estive, e agora nesta masmorra, só me resta a saudade e a esperança de lá voltar novamente.
S. F.

in A Comarca de Arganil de 18 de dezembro de 1902