terça-feira, 18 de setembro de 2018

Textos Avulso por David de Santa Cruz

Inicio hoje uma nova rúbrica, que tem a ver com o meu filho e que nos enche a mim e ao meu marido de muito orgulho. Este é o seu primeiro texto publicado no Jornal O Varzeense de 15.09.2018.  



Aqui fica o texto:

O Jogo da Aldeia 
A aldeia adormece. Adormece porque só assim a morte chega. Adormece porque até a própria vida perdeu a vontade de viver. Os telhados de xisto lamentam já não terem ninguém para abrigar. As pedras da calçada... essas choram e fazem luto às memórias dos bailes de verão onde sorriam a quem dançasse por cima delas. O lobo acorda. Mas as capoeiras estão vazias e os prados por cortar. O lobo adormece. As ruas ficam à espera que o eco do relógio da aldeia passe por elas, solitário. E as árvores de fruto, essas reclamam da sua falta de espaço pessoal já que os castanheiros e os eucaliptos, por já não servirem para a lenha, reproduzem-se como coelhos. O vidente acorda. Mas estas montanhas perdidas no tempo estarão para sempre imutáveis. O vidente adormece. Os carros passam sem fazer qualquer paragem. Não conseguem encontrar neles vontade para se fazer de visitantes e acordar a aldeia. Mas subitamente a aldeia acorda. Estamos na primeira semana de agosto e nos próximos dia a aldeia terá cor, movimento e barulho. Vida. Transforma-se num retiro​ sagrado aos seus ocupantes. Uma cúpula onde se perdem os stresses do mundo. Mas as pessoas ficam com saudade do exterior e uma por uma despedem-se e aldeia deprime. Está cansada de dormir. Anseia pelo dia da sua morte. Mas enquanto o seu nome estiver na fala e no pensamento das pessoas isso nunca acontecerá. E mais uma vez, a aldeia adormece.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Agradeço a sua visita e o seu comentário.
Informo que comentários anónimos não serão publicados.
Paula Santa Cruz